A Favela de Paraisópolis é um lugar estranho. Algumas ruas levam a lugar algum. Devem ter sido imaginadas pelo arquiteto da miséria e do descalabro urbano. O tráfego de veículos percorre vielas sinuosas, estreitas e que, às vezes, são subitamente interrompidas por um caminhão de entregas que perdeu-se na tentativa de fazer uma conversão sem volta. Em frente ao comércio local, há caixotes de madeira empilhados e espalhados para ninguém estacionar. Carros, motos, carroças estão parados nos dois lados da rua estreita. Só por um milagre para passar incólume entre eles.
Sabe a Prefeitura de São Paulo? Essa instituição que tem fiscais que multam um puxadinho na Vila Madalena ou caem em cima daquele comerciante que precisa de um alvará? Então, essa Prefeitura não existe em Paraisópolis. Nada ali parece ter sido feito para funcionar. É tudo apertado, estreito, pobre, miserável, inviável. A Prefeitura não aparece por lá. Não manda fiscais. Não elabora um plano urbanístico. A Prefeitura é omissa, porque é muito mais fácil ser omisso do que participativo.
Talvez a única instituição que dê as caras em Paraisópolis, aquele vespeiro dominado pelo tráfico, seja a Polícia Militar. A missão da PM é complicada. Tenta ordenar a desordem. E a desordem, em Paraisópolis, é implacável.
Famosa pelo batidão, pelo pancadão, pelo tal do Baile Funk, os 80 mil moradores da Favela de Paraisópolis são reféns desse grupo que todas as semanas - repito todas as semanas - decreta estado de insônia totalitário. Sexta, sábado e domingo, os infelizes moradores desta favela da zona sul da capital estão proibidos de dormir. A ordem que lhes é dada - e tem de ser obedecida - é: "Vocês não vão dormir". Freddy Krueger ficaria sem ocupação.
Então, desesperados, reféns da miséria que os condenou àquele lugar remoto, medonho e abandonado, o que os pobres cidadãos fazem? Ligam para o 190, o telefone da Polícia Militar.
"Alô, por favor, eu não consigo dormir. Estou aqui na Favela de Paraisópolis. É um barulho insuportável. Trabalhei a semana toda. Vocês poderiam mandar uma viatura para cá?"
A PM aparece na favela e verifica que tem 5 mil, 10 mil, 30 mil pessoas, participando de uma festa pública. A PM tenta reprimir. É recebida com garrafadas, cusparadas, pedras e até chumbo grosso. A PM reage com energia, tenta pôr ordem na bagunça, mas a bagunça domina, impera. É a supremacia do caos.
Os "organizadores" do pancadão são anônimos. A gente não sabe quem são. Qual é o perfil desses promotores do infortúnio alheio? São jovens? Maduros? Pertencem a alguma facção criminosa? Quanto eles lucram com esses "bailes"? Seria essa a sua principal fonte de renda?
Não se sabe. Parece não haver trabalho de inteligência da polícia. É tudo cercado por uma neblina de incertezas. O que se tem certeza é que, no próximo final de semana, os 80 mil moradores da Favela de Paraisópolis, novamente, serão proibidos de descansar, porque o autoritarismo perverso dos "organizadores" fala mais alto do que a lei, a ordem, a Justiça.
O pancadão reúne todos os elementos do desrespeito legal. É uma festa sem alvará, sem licença, sem nada. Realiza-se ao ar livre, azucrinando a vida da vizinhança. Menores podem frequentá-la? Podem, sim. Entrem e fiquem à vontade. Ali, naquele canto, tem maconha, cocaína e ecstasy. Sirvam-se. Façam bom proveito. Depois, vocês farão sexo aqui no meio da rua, sem camisinha, para engravidar e daqui a alguns anos serão suas filhas e filhos que estarão aqui na bagunça.
Aqui, é um mundo à parte. O mundo lá fora não serve para nós. Por isso, criamos essa cidadela da putaria. Aqui vale tudo. Estupro de vulnerável? Vale. Uso de drogas lícitas e ilícitas e drogas que ainda serão inventadas? Vale.
Dizem que vem gente do interior de São Paulo, da Baixada Santista, de municípios próximos à capital para participar do pancadão. Na melhor das hipóteses, é uma garotada que quer se divertir e se entregar a prazeres baratos e possíveis.
Só que, sinto muito, não dá para isso ser feito no meio da rua. Não dá para a gente aceitar na boa o descalabro legal. Se a perturbação da ordem vale para mim, que moro em outro bairro, também deveria valer para o "organizador" do caos da Favela de Paraisópolis.
É hora do poder público fazer a sua parte. Deixar a omissão para trás e agir. A primeira tarefa a ser feita, é transformar a Favela de Paraisópolis em um bairro decente, com ruas largas, calçadas, praças, áreas verdes e tudo aquilo que qualquer cidadão paulistano teria direito. Ruas largas o suficiente para o tráfego do Corpo de Bombeiros e ambulâncias. Ruas largas o suficiente para a gente não sentir aquela sensação de claustrofobia, que deixa pessoas presas dentro de seus veículos, porque as ruas foram interditadas para o pancadão e só será permitido sair no outro dia, pela manhã, se os "organizadores" permitirem.
Morreram oito meninos e uma menina neste fim de semana. Todos os holofotes voltam-se para a Polícia Militar, que teria agido "fora das normas". E os "organizadores" agiram dentro das normas? Quem são? Onde se escondem? Quem é essa canalha anônima? Perguntas que espero ver respondidas nos próximos dias.
E os pais ou "responsáveis" agiram "dentro das normas"?
- Pai, mãe, vou sair.
- Onde você vai, filho?
- Vou para o pancadão, onde tem droga e sexo à vontade. O lugar é assediado pela Polícia Militar que, volta e meia, troca tiros com os bandidos.
- Ah, beleza, filho. Divirta-se. Não se esqueça de levar um casaquinho, que, mais tarde, pode esfriar.
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