quinta-feira, 25 de abril de 2019

Prazer vicário - Por que as séries nos atraem



Foram 10 anos. De 1994 a 2004, Friends esteve em cartaz ao longo de 236 episódios. Hoje, a série ainda pode ser revista no canal pago Warner e na Netflix, além de sites e sabe-se lá mais onde. 

Três rapazes e três moças que vivem no bairro boêmio de Greenwich Village, se encontram e se desencontram em aventuras amorosas hilárias. Eles são simpáticos, jovens e "têm a vida toda pela frente", como se dizia na época da máquina de escrever e do linotipo. 

Um fã do seriado recriou a cafeteria, onde eles se encontram. Outra fã decorou seu apartamento igualzinho ao da personagem Monica. Um terceiro calculou quando dinheiro Chandler emprestou a Joey. Não faltam histórias de fãs que comprovam como a série conquistou público de vários países e idiomas.

Friends é exemplo de série bem-sucedida. É leve. Não discute assuntos escabrosos como política, guerras por causa de petróleo, perseguição a minorias, capitalismo e exploração. 

A pessoa teve um dia péssimo. Enfrentou congestionamento. Descobriu que precisa trocar o pneu do carro. Aquele dinheiro que deveria entrar, não entrou. Apareceu um boleto bandido...  Chegando em casa, o telejornal enfia histórias trágicas para cima do infeliz: rompeu uma barragem e matou 233 pessoas; um prédio pirata, sem alvará, sem nada, desaba e mata 24 moradores; deputados ganham 40 milhões de reais em verbas para apoiar governo; a Catedral Notre-Dame de Paris arde em chamas... "É só notícia ruim", como diz o Zé do Boteco.

Não é preciso continuar sofrendo. Basta sintonizar o canal correto. Aquele que exibe Friends. Por um tempo, o infeliz se sentirá menos infeliz. Vai dar risada, se divertir, achar a vida até suportável. 

É o que se chama de prazer vicário. Você vive - alegrias, tristezas, decepções, paixões, aventuras, frustrações, conquistas, perdas - por meio do outro. 

O segredo de séries bem-sucedidas como Friends é fugir de tudo aquilo que possa nos trazer alguma preocupação. Pode-se até falar em mudanças climáticas, mas em tom de blague, com Phoebe, a pirada do grupo, falando um disparate qualquer. 

Pelo prazer vicário, não é só mercadoria leve, como os produtos oferecidos pelas novelas da Globo, por exemplo, que encantam os telespectadores, desde 1965, quando a emissora estreou sua primeira telenovela, O Ébrio

Muitos personagens de seriados servem também para o público descarregar sentimentos violentos, como em Hannibal, Game of Thrones, Spartacus, Dexter. Ou ainda pulsões sexuais reprimidas que a gente encontra em Eu, tu e ela, Weeds. Orange is the new black.

Essa busca pelo prazer vicário é o que atrai os consumidores de novelas, seriados, filmes. Em que momento tem início essa busca? Desde sempre. É parte da cultura humana. Antes dos livros, os humanos contavam histórias. Passavam sua cultura, sua religiosidade, seus valores para as gerações seguintes por meio da oralidade. Depois, vieram os jornais, os livros e os grandes autores. 

Com a chegada do século 20, a busca pelo prazer vicário sofisticou-se. Era possível acompanhar pelo rádio novelas que antes só estavam disponíveis em jornais ou livros. Quando criança, lembro da minha avó ouvindo uma radionovela, religiosamente, todo final de tarde. A história se passava em uma fazenda. Pelo rádio, ouvia o cavalo trotando se aproximando da casa. O cavalo parava, relinchava. O vaqueiro descia do cavalo, subia dois ou três degraus e batia na porta. Minha avó interagia: "Meu Deus, quem será?". A radionovela terminava às 18h, quando tinha início A hora da ave Maria. Ela rezava e, em seguida, ia para a cozinha preparar o jantar. 

Entraram em cena a TV, a internet, os iphones, as TVs pagas e por streaming, mas aquele antigo desejo, aquele amor antigo pelo prazer vicário não saiu de moda. Continua vivo e forte dentro de nós.      


  



  






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