quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Eu, o disco-voador e o pé de goiaba


Em 1996, vi um disco-voador. Não tinha bebido. Não sonhava. E havia testemunhas junto comigo. O negócio era iluminado. Pairava no céu. Eram 4h30 da madrugada. Havia saído de uma cidade do circuito das águas, em Minas, e retornava para São Paulo. No banco de trás, meu filho, com nove anos de idade: "Pai, tem uma estrela seguindo a gente". Expliquei que estrelas não seguem carros. Como o veículo estava em movimento, ele tinha impressão que a estrela "andava", mas era só impressão. Minutos depois, nova informação: "Pai, a estrela ficou mais perto agora". 

Parei o carro no acostamento. Deixei o farol ligado. Saí do veículo. Lá fora, senti o cheiro da mata. Gostoso. Refrescante. Era janeiro, em pleno verão. Tínhamos tirado férias de fim de ano e retornávamos para casa. 

Olhei para o céu e vi o negócio brilhando no céu. Aquilo se aproximava da gente e se afastava. Depois, se aproximava novamente. Fazia movimentos rápidos, incompreensíveis. Para cima e para baixo. Depois, cessava e vinha perto da gente. 

A minha filha, então com 14 anos, acordou e ficou apavorada: "Pai, vamos embora..." Ela havia assistido E.T. e passou a ter muito medo de topar com aquele ser baixinho, cabeçudo, com os bracinhos compridos. Ela não temia assombração, almas penadas, nem saci. Mas tinha pavor de extraterrestres. E, se você quer saber, estávamos muito próximo de um contato imediato de terceiro grau. 

Aquela desgraça iluminada vinha se aproximando da gente...

Os dois começaram a chorar, pedindo: "Vamos embora, pai. Vamos fugir. Esse negócio vai pegar a gente..."

Entrei no carro. Virei a chave...Achei que o motor não ia pegar, por obra de alguma interferência eletromagnética, emanada pelo disco-voador. Mas o carro pegou. Engatei primeira. Acelerei e caí novamente na estrada. 

Andei menos de 50 metros, quando entrou na nossa frente um cavalo. Não sei se ele também fugia do disco-voador, o fato é que o bicho corria pela estrada, olhando apavorado para os lados. Freei e aí o pânico se instalou. As crianças gritavam. Minha mulher tentava acalmá-los, mas não obtinha muito sucesso. Estávamos todos com medo do desconhecido, daquela fonte de energia estranha, que nos seguia pela estrada afora.

O carro acelerava e a luz parecia acelerar também. O carro reduzia a marcha e a luz o imitava. Devo ter rodado uns 20 quilômetros dessa maneira, na companhia do disco-voador. Então, decidi parar e enfrentar o bicho. Ele que viesse pra briga. 

Estacionei novamente o carro no acostamento. Descemos todos e ficamos olhando para o céu. Então, aquilo começou a se movimentar de maneira maluca pra cima e pra baixo. As luzes aumentaram de intensidade e, em segundos, o negócio ganhou uma velocidade estupenda e desapareceu no espaço. 

Escrevi tudo isso para dizer que em disco-voador eu acredito. Não sei o que é, de onde vem, se é uma arma secreta russa ou dos americanos, se não é da Terra, se vem do futuro ou do passado, o fato é que vi o tal negócio iluminado e ele também me viu, porque me seguiu pela madrugada de uma solitária estrada mineira no longínquo ano de 1996.

Agora, futura ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, sinceramente, não acredito que a senhora tenha visto Jesus Cristo subir em um pé de goiaba. Como diz aquele meme, publicado pouco depois, Jesus comenta: "Tenho mais o que fazer do que ficar subindo em pé de goiaba". 

Os pastores evangélicos mantêm contatos imediatos com Deus, Jesus, o Diabo, com uma  constância invejável. O Diabo está sempre baixando nas igrejas pentecostais, fazendo um estrago danado. Os possuídos rolam pelo chão. Gritam. Espumam, se contorcem. Discursam aquela algaravia (todas as línguas e nenhuma) costumeira. O Diabo foge, libera o corpo do cristão, que, feliz da vida, dará 10% de seu salário mensal ao pastor ou pastora.  

O livro Sapiens - uma breve história da humanidade, sobre o qual escrevi uma crítica em post anterior, menciona essa habilidade humana de criar histórias, fazer com que outras pessoas acreditem no inexistente. Foi graças a essa capacidade cognitiva que a humanidade se desenvolveu e passou a ocupar o primeiro lugar no topo da cadeia alimentar. 

O dinheiro, por sinal, é uma invenção sobre a qual todos nós decidimos acreditar. O dinheiro é uma ficção. Por que determinada nota valha tanto quanto aquela mercadoria? Foi instituído assim e todos nós consideramos positivo, porque formas arcaicas de fazer negócio, como o escambo, não funcionavam bem.  

O escândalo sexual desta semana recaiu sobre João Teixeira de Faria, o João de Deus, que teria abusado de 200 mulheres, em seu "hospital espiritual", em Abadiânia (GO). Os relatos são impressionantes. As vítimas contam detalhes de como foram obrigadas a fazer sexo com o médium, que, em 2012, recebeu a visita resplandecente de Oprah Winfrey, uma das mais bem-sucedidas apresentadoras de TV dos EUA.

O psiquiatra e higienista italiano Cesare Lombroso (1835-1909) dizia que era possível reconhecer um criminoso, por suas características físicas. É claro que essa teoria caiu em desuso, com o avanço das ciências criminais. Mas, um velho parceiro de reportagens, sempre que se via às voltas com um criminoso, daqueles bem malvados, olhava pra mim e comentava: "Lombroso estava certo".  

Olhando as fotos desse João de Deus, mesmo reconhecendo que Lombroso foi ultrapassado pelo tempo, tenho a dizer que não deixaria esse sujeito me enfiar uma faquinha e tesoura sujas na barriga.

Um relato de uma vítima de João de Deus, colhido pela repórter Camila Brandalise do UOL, é aterrador: 

"Ele se sentou em uma poltrona e falou que eu devia fazer sexo oral nele para 'fazer uma limpeza'. Era um velho nojento. Ele dizia: 'Faz cara boa, faz direito. Você está com nojo?', ele dizia. Eu estava com muito medo, não estava mais suportando aquilo. Eu não lembro mais como foi, mas sei que ele me chamou de novo para participar de uma cirurgia. No terceiro dia, ele pediu sexo oral de novo. Eu fiz, ele gozou e se limpou com a toalha branca".   

É incompreensível diante do avanço inexorável da ciência que as pessoas continuem querendo acreditar nesse amontoado de bobagens, que exigem muita "fé" e pouca inteligência. 

Por falar em inteligência, hoje mesmo, ouvi um engenho humano, pousado em Marte, transmitindo o som de ventos marcianos. Trata-se do avanço da ciência indiscutível, em escala interplanetária.  

Adão e Eva, o Dilúvio, Abraão e seu filho quase assassinado, o Deus que manda a gente vender nossa filha como escrava, o Deus que manda executar quem plantar legumes de espécies diferentes lado a lado, a Arca de Noé, o universo criado em seis dias...

Todas essas histórias, que encantam o leitor da Bíblia, não resistem a um mínimo de especulação científica. Quem observa as estrelas por um telescópio; quem fica intrigado diante das moléculas se reagrupando pelas lentes de um microscópio,;quem frequenta museus que mostram dinossauros e espécies que nos antecederam; quem leu A Origem das Espécies; passa a compreender melhor o universo e a realidade que nos cerca. Não haveria mais necessidade de muletas espirituais. Não teríamos também que suportar tipos como esse João de Deus e essa senhora manipuladora que vê Jesus, "o filho de Deus", trepando em goiabeira. 

    
    

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Bullying - valentões e bodes expiatórios



Lula terá novo julgamento hoje no STF. Conforme previsões de analistas, o habeas corpus que pede a sua soltura será negado. A defesa do ex-presidente argumenta que a condenação partiu de um juiz, indicado para ocupar cargo no governo Bolsonaro. 

Assim, o juiz teria agido parcialmente, mandando para a cadeia um adversário político que poderia derrotar Bolsonaro na eleição presidencial. Para os ministros do STF, esse argumento é impróprio por estabelecer uma ligação até então inexistente (na época da condenação, Bolsonaro não era candidato). 

Na realidade, qualquer analista, sem apego ideológico-partidário, sabe que a condenação de Lula não tem base legal. Ele foi preso e condenado, por causa de um apartamento, onde nunca morou, nem nunca foi dele. O mesmo acontece com o sítio famoso. Não há escritura que prove o pertencimento. Logo, não há prova material. Há suposições. 

Mas isso não importa. Lula é o nosso bode expiatório. O termo vem da Bíblia e significa aquele animal que era deixado para trás, para ser atacado pelos predadores, como forma de sacrifício, para aplacar a ira dos deuses. 

Na Grécia antiga, havia também uma cerimônia que sacrificava seres humanos, os pharmakos. Quando tudo ia mal, quando havia fome, seca, doença, fazia-se o sacrifício dos pharmakos. Pessoas doentes, com deformidade física, deficientes mentais ou simplesmente "muito feias", eram linchadas pela população. 

Perseguidos pela turba, apedrejados, esfaqueados, os pharmakos eram executados, durante um ritual catártico. Quando a "festividade" terminava, a vida voltava ao normal e a cidade garantia a sua sobrevivência, em paz com os deuses. Daí vem o termo fármaco (remédio), farmácia (antigamente, se escrevia pharmácia). 

Quando era garoto, não existia ainda o termo "bullying", que significa aquele ato de violência física e psicológica intencional, gratuita e repetida, praticada por um ou vários valentões sobre uma vítima. 

Na escola e nas ruas, a gente estava sempre às voltas com os valentões, com o bullying. Diferente de hoje, nenhuma vítima pensaria em denunciar um agressor, porque isso significa ser um "dedo duro", um "alcaguete", personagem tão depreciado como o "flozô" (como se chamava o gay na época). 

Quem apanhava precisava aprender a se defender. Era uma aprendizagem dolorida e traumática. O pior efeito do bullying era transformar a vítima em agressor, que, por sua vez, faria outra vítima, em efeito avalanche. 

Isso, infelizmente, aconteceu comigo. Naquela espiral de violência, lembro de episódios grotescos em que esmurrei o rosto de um amigo até tirar sangue. Você bate com força, com muito ódio, e quando vê o resultado algo se quebra por dentro. Você não é mais o mesmo. Você se transformou neles. Esse, acredito, é o pior efeito do bullying. A vítima torna-se algoz. A violência gera violência.    

Fui criado na cultura cristã. Ateu depois de adulto, me recordo com carinho dos valores religiosos que me foram passados na infância. Solidariedade, fraternidade, amizade, carinho dos familiares, saber perdoar, não guardar mágoa e rancor no coração...Tudo isso vinha embalado pela cultura cristã. 

E esses valores eram jogados no lixo, cotidianamente, pela violência que a gente presenciava, sofria ou praticava na escola e nas ruas.

De volta ao início dessa postagem, o Brasil caiu na mãos dos valentões. O presidente eleito posa ao lado do jogador Felipe Melo, durante a entrega da taça ao campeão brasileiro, e ambos apontam as mãos, em forma de arma, para nós, pacíficos telespectadores de um jogo de futebol.

Para o valentão, a melhor forma de acabar com a violência é usar mais violência ainda. Morrem anualmente no Brasil 60 mil pessoas assassinadas. 

Parece não ser suficiente. 

A Polícia Civil carioca usa uma metralhadora MAG, belga, calibre 7.62, capaz de disparar 650 tiros por minuto. Em setembro, a polícia apreendeu na favela da Rocinha uma metralhadora capaz de derrubar aviões e perfurar carros-forte. 

Acabar com a violência no Brasil ou reduzi-la a níveis finlandeses parece óbvio. O difícil será convencer os valentões a não correr atrás dos bodes expiatórios, não imolar pharmakos em praça pública, e promover a tão sonhada distribuição de renda. 

Mas essa solução objetiva não passa pela cabeça desse pessoal formado na Escola de Chicago e arredores. O que vem por aí não cheira bem. 

Em Paris, por sinal, já há fumaça densa e escura e carcaças de carros queimando nas ruas. É a revolta dos coletes amarelos (gilets jaunes).      

    



  

   

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