As séries não foram inventadas pela Netflix. Sinto informar. Quando era menino, no século passado, assistia ao seriado Jim das Selvas, estrelado pelo atleta, campeão de natação e ator Johnny Weissmuller, que ganhou fama nos anos 30 no papel de Tarzan. Obeso e decadente, na série produzida no fim dos anos 40, Weissmuller percorria a selva africana a bordo de um modelito safari.
Foi Jim das Selvas que me apresentou uma armadilha da natureza chamada areia movediça. Os vilões, quando caíam na areia movediça, desapareciam lentamente. O corpo ia descendo, mergulhando, bem devagar, até restar uma mão mexendo os dedos em sinal de desespero, que sucumbia à natureza cruel da areia. Quando era a vez de Jim das Selvas se enfiar na areia, ele era salvo por uma chimpanzé esperta, a Chita.
Na vida real não há areia movediça assassina. Ela só existe no cinema. Se você cair em um poço de areia movediça, dizem os especialistas, não se apavore. Você vai acabar saindo na boa.
Acordei hoje de manhã pensando em jornalismo e como a profissão é parecida com areia movediça. Penso até em escrever um livro que vai se chamar Prego na areia sobre a instabilidade profissional que existe nessa área. Em todas as redações que estive, havia sempre aquela ameaça pairando sobre as nossas cabeças. Não era só o medo de perder o emprego. Existia a possibilidade concreta de o próprio jornal fechar as portas. O que se comprovou de fato, algumas vezes.
Meu primeiro emprego na área foi na Revista Escrita de Literatura, pilotada pelo escritor Wladyr Nader. A Escrita encerrou a versão impressa e hoje, graças ao incansável Wladyr, que bate escanteio e corre na área para cabecear, existe em versão digital. Depois, fui trabalhar na Proal - Programação e Assessoria Editorial, com Manuel Chaparro. A Proal mudou de comando e fechou as portas em 1983.
O Diário Popular, criado em 1884, iria desaparecer como marca em 2001, após ser adquirido pelas Organizações Globo. Como escrevi neste blog, estive no Dipo entre 1984 e 1990, nos embalos da "última redação romântica". Trabalhei também nas redações da TV Manchete e da Folha da Tarde. Ambas mortas e sepultadas. O Jornal da Tarde, criado em 1966 e extinto em 2012, foi outra redação por onde passei. Estive lá entre 1999 e 2002, quando o JT tentava sair da areia movediça. Não deu certo e o JT sumiu para sempre.
Uma redação por onde passei e que ainda sobrevive é a do Diário do Grande ABC. Em breve, vou relembrar esse período, extremamente criativo e satisfatório. O DGABC foi o jornal que me deu muita satisfação profissional. Fiz várias colunas bem-sucedidas, reportagens especiais que produziram impacto positivo e a maior parte de minhas recordações são de muito trabalho e bons momentos. Infelizmente, houve uma briga intestina no melhor estilo Montecchio e Capuleto, entre as duas famílias que administravam o DGABC (os Dotto e os Polesi), e o jornal seria comprado pelo empresário Ronan Maria Pinto, em 2004.
Em 2016, a opinião pública foi informada que Ronan havia conseguido o dinheiro (R$ 6 milhões) para comprar o Diário do Banco Schahin, em uma transação que envolvia o Partido dos Trabalhadores e o empresário Sérgio Bumlai. Em abril de 2016, Ronan teve a prisão decretada pelo juiz Sergio Moro, no âmbito da Operação Lava Jato. No ano anterior, em 2015, Ronan, Sérgio Gomes da Silva (o Sombra) e Klinger Luiz de Oliveira Sousa já haviam sido condenados por corrupção, em um caso rumoroso que os relacionava a achaques contra empresários de ônibus.
Seis anos antes de o jornal ser vendido a Ronan, em 1998, quando cobri a Copa do Mundo de Futebol, realizada na França, o Diário do Grande ABC tinha conquistado o título de "melhor jornal regional do País". Era um matutino influente, de leitura obrigatória na região. Tinha vários cadernos, várias editorias, equipe de reportagem grande e motivada.
Hoje, infelizmente, vejo um jornal "fininho", o que é sempre um mau presságio. Quanto tempo ainda o Diário irá sobreviver antes de cancelar o papel e mergulhar na versão digital? É a pergunta que não quer calar.
Como um ser analógico obrigado a viver no mundo digital, percebo que mudei o hábito de ler jornal. Costumava tomar café pela manhã cedinho, lendo a Folha e o Estadão. Era assinante dos dois veículos. Hoje, não assino, nem recebo jornal em casa. Leio vários jornais no PC. Não é a mesma coisa. Pra falar a verdade, é bom, porque posso ler vários veículos (The Guardian, The New York Times, os tabloides ingleses - Daily Mail, Daily Mirror e The Sun), mas é ruim porque a plataforma é dispersiva. Aparecem anúncios no meio da leitura. De repente, alguém começa a falar. Surge um vídeo... Também não compro mais jornal em banca. No último ano, não me lembro de ter visto um jovem, com jornal debaixo do braço ou lendo jornal em um bar ou café. Eles estão com os olhos voltados para seus dispositivos móveis, teclando sempre furiosamente.
O pior mesmo - o pior de tudo - é ter perdido o jornal como referência. Não tenho mais um veículo de comunicação, aqui no Brasil, que me represente, que apresente uma pauta que se aproxime do que eu almejo para o País. Virou um deserto, uma areia movediça e acabei afundado nela.
segunda-feira, 25 de setembro de 2017
O jornalismo e a areia movediça
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