domingo, 8 de junho de 2025

Humorista Leo Lins é censurado pela Justiça Federal

 

Leonardo de Lima Borges Lins, o humorista condenado

O início é óbvio: Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 5º, que trata dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. O parágrafo nove diz o seguinte:

“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Se a expressão de atividade artística é livre de censura ou de licença, como pode um humorista sofrer condenação, por estar fazendo o seu ofício?

Aconteceu com Leo Lins. Em 2022, ele fez um show chamado “Perturbador”. O vídeo da apresentação foi parar na rede social (YouTube – 3 milhões de visualizações) e o Ministério Público Federal não gostou do que viu. Por isso, abriu um processo contra o humorista.

Três anos depois, no dia 3 de junho da semana passada, a juíza federal substituta Barbara de Lima Iseppi condenou o humorista a oito anos e três meses de prisão, mais pagamento de indenização de 303 mil reais.

A medida foi aplaudida por muita gente: intelectuais, jornalistas, gente com eira e gente sem beira e, inclusive, humoristas, como Pedro Cardoso, que fazia o personagem “Agostinho”, no programa “A grande família”, exibida pela TV Globo.

Em um longo texto na rede social Instagram, Pedro Cardoso associou o stand-up (comediante que fica em pé diante do público) ao fascismo e chamou a apresentação de Leo Lins como “discurso de ódio”.

Os jornais foram contra a condenação. Em editorial, intitulado “Quando piada dá cadeia, salve-se quem puder”, o vetusto Estadão escreveu o seguinte:

Punir piadas é sinal de fraqueza institucional, e não de justiça. O humor é parte da liberdade que protege o que nos incomoda, e uma sociedade plural não sobrevive à criminalização do riso”. O editorial prossegue:

“Mais do que um veredicto equivocado, é a expressão mais grotesca de uma tendência crescente: a criminalização do discurso incômodo sob o pretexto de proteger os vulneráveis. A toga virou armadura ideológica, e o Código Penal, instrumento de censura”.

O Globo escreveu: “São piadas – não crimes”.

Em sua sentença, com pelo menos dois erros graves de citação (a juíza menciona a lei 7.719, que cria uma categoria funcional do Tribunal Superior Eleitoral; ao invés da lei 7.716 que trata de racismo), a juíza confirma que o humorista é um personagem:

“Não obstante, ainda que se trate de uma personagem e não da pessoa de LEONARDO, é certo não se excluir o crime (...) o fato de se tratar de humor não configura um passe-livre para o cometimento de crimes, assim como o fato de se tratar de uma apresentação artística”.

E sentencia o réu:

“Somadas ambas as penas nos termos do artigo 69 do Código Penal, fica o réu condenado à pena definitiva de 08 (oito) anos, 03 (três) meses e 09 (nove) dias de reclusão, além de 39 (trinta e nove) dias- multa (...) A pena deverá ser cumprida inicialmente no regime fechado”.

Punir os humoristas não é novidade. O bobo da corte Triboulet (1479-1536) foi condenado à morte pelo rei Francisco I (há versões que dizem que essa condenação partiu do rei Luis XII). Durante uma apresentação, o bobo da corte Triboulet passou a mão na bunda do rei. Sua majestade não gostou e mandou matar o bobo. Triboulet se desculpou: “Me enganei, senhor. Achei que fosse a bunda da sua esposa, a rainha”.

Mais indignado ainda, o rei confirmou a condenação à morte e deu ao bobo da corte uma única regalia: ele poderia escolher a forma de sua execução. Triboulet propôs ao rei: “Então, escolho morrer de velhice”. O rei achou graça, perdoou e o exilou.

Aos 42 anos, o humorista Leo Lins não é engraçado. Suas piadas são apelativas, rasteiras e de péssimo gosto. Eu jamais sairia de casa para assistir a uma apresentação dele. Também não vou perder meu tempo assistindo aos vídeos dele nas redes antissociais.

Como lembrou a juíza, em sua sentença, o humorista faz piadas, dirigidas às minorias: negros, obesos, idosos, pessoas com HIV, indígenas, homossexuais, judeus, nordestinos, evangélicos e deficientes físicos.

As piadas de Lins são preconceituosas? E daí? A liberdade de expressão não existe para proteger discursos populares ou elegantes que não precisam de proteção, mas sim aquilo que desagrada, desafia convenções, irrita e até fere sensibilidades”, discorre o Estadão, em seu editorial.

A Justiça brasileira está correndo um sério risco: o de se transformar em órgão censor. Durante a Ditadura Militar, a censura era usada para calar dissidentes e opositores ao regime.

Na década de 1990, promotores do Ministério Público de São Paulo consideravam o jornal Notícias Populares impróprio para ser oferecido nas bancas. O NP, como era chamado, tinha manchetes sensacionalistas e publicava fotos de cadáveres na primeira página. Para os promotores, o jornal só poderia ser oferecido aos leitores se viesse embrulhado em um saco plástico, o que inviabilizaria a publicação, porque o NP vivia basicamente de venda em banca e precisava chamar a atenção de seus leitores.   

Em maio passado, a desembargadora Íris Helena Medeiros Nogueira condenou o jornal Zero Hora e a jornalista Rosane de Oliveira a pagarem uma indenização de 600 mil reais, por danos morais. O crime da jornalista: ela informou aos leitores do jornal que a desembargadora havia recebido, em determinado mês, a quantia de 662 mil reais. A notícia era verdadeira e os dados constavam no Portal da Transparência.

Em outro caso, em que a Justiça estava sendo usada para calar, o jornalista e escritor João Paulo Cuenca foi alvo de 140 processos, movidos por pastores da Igreja Universal, nos mais diversos e longínquos rincões deste País de dimensões continentais.

O crime de Cuenca: ele noticiou que o governo brasileiro (na época, o presidente era Jair Bolsonaro) iria subsidiar canais e emissoras de igrejas evangélicas, mesmo que estas estivessem em dívida com o estado.

Houve reação, felizmente. E partiu do próprio Judiciário. No início deste ano, o Ministério Público Federal moveu processo contra a Igreja Universal por “assédio judicial”.

Qual foi o crime que Leo Lins cometeu? Nenhum. Ele contou piadas. Você não gosta das piadas dele? Elas são de péssimo gosto, abjetas? É simples; não vá às apresentações dele; não veja os vídeos nas redes sociais.

Como disse o Estadão, em seu editorial inspirado: “O Brasil precisa resistir a esse impulso regressivo e repressivo. Piadas ruins devem ser criticadas, e não criminalizadas. Discursos odiosos devem ser desmoralizados, e não aniquilados com prisão. O riso – inclusive o cruel, ácido, perturbador – é uma válvula essencial das sociedades livres. Retirá-lo do espaço público é sufocar a liberdade”.

Espero que uma próxima instância judicial derrube a sentença da juíza substituta. Caso percorra todas as instâncias, sem sucesso, e chegue ao STF (Supremo Tribunal Federal) caberá aos ministros, que são guardiões da Constituição, preservar a letra da lei, conforme assinala o Artigo 5º, parágrafo nono. Censura nunca mais. Mesmo! 

Leia a íntegra da sentença da juíza Barbara de Lima Iseppi:

https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2025/06/sentenca-Leo-Lins-discriminacao-show-stand-up.pdf


Comedian Leo Lins is censored by the Federal Court

 The starting point is obvious: The Constitution of the Federative Republic of Brazil, Article 5, which deals with Individual and Collective Rights and Duties. Paragraph nine states:“The expression of intellectual, artistic, scientific, and communicative activity is free, independent of censorship or licensing.”If the expression of artistic activity is free from censorship or licensing, how can a comedian be convicted for simply doing his job?This happened to Leo Lins. In 2022, he performed a show called “Perturbador” (Disturbing). 

The video of the performance ended up on social media (YouTube – 3 million views), and the Federal Public Prosecutor’s Office didn’t like what they saw. As a result, they filed a lawsuit against the comedian.Three years later, on June 3 of last week, substitute federal judge Barbara de Lima Iseppi sentenced the comedian to eight years and three months in prison, plus a fine of 303,000 reais.The decision was applauded by many: intellectuals, journalists, people from all walks of life, and even fellow comedians like Pedro Cardoso, who played the character “Agostinho” in the TV Globo show “A Grande Família” (The Big Family).In a lengthy Instagram post, Pedro Cardoso associated stand-up comedy (where the comedian performs in front of an audience) with fascism and called Leo Lins’ performance “hate speech.

The newspapers, however, opposed the conviction. In an editorial titled “When Jokes Land You in Jail, Run for Your Life,” the venerable Estadão wrote:“Punishing jokes is a sign of institutional weakness, not justice. Humor is part of the freedom that protects what offends us, and a pluralistic society cannot survive the criminalization of laughter.” The editorial continued:“More than a mistaken verdict, this is the most grotesque expression of a growing trend: the criminalization of uncomfortable speech under the pretext of protecting the vulnerable. The judge’s robe has become ideological armor, and the Penal Code, an instrument of censorship.”O Globo wrote: “They’re jokes—not crimes.”

In her ruling, which contained at least two serious citation errors (the judge referenced Law 7,719, which establishes a functional category for the Superior Electoral Court, instead of Law 7,716, which deals with racism), the judge acknowledged that the comedian was performing a character:“Nevertheless, even if it is a character and not LEONARDO himself, it does not exclude the crime (...) the fact that it is humor does not grant a free pass to commit crimes, just as an artistic performance does not.”And she sentenced the defendant:

*“Combining both penalties under Article 69 of the Penal Code, the defendant is sentenced to a definitive term of 08 (eight) years, 03 (three) months, and 09 (nine) days of imprisonment, in addition to 39 (thirty-nine) days-fine (...) The sentence shall initially be served under a closed regime.”*Punishing comedians is nothing new. The court jester Triboulet (1479–1536) was sentenced to death by King Francis I (some versions say King Louis XII). During a performance, Triboulet slapped the king’s rear end. His Majesty didn’t appreciate it and ordered the jester’s execution. Triboulet apologized: “My mistake, sire. I thought it was your wife’s, the queen’s, rear.

Even more outraged, the king confirmed the death sentence but granted Triboulet one privilege: he could choose his method of execution. Triboulet then said: “Then I choose to die of old age.” 

The king found the joke amusing and pardoned him.At 42, comedian Leo Lins is not funny. His jokes are crude, cheap, and in poor taste. I would never leave my house to watch his show, nor would I waste my time watching his videos on antisocial media.As the judge noted in her ruling, the comedian makes jokes targeting minorities: Black people, the obese, the elderly, people with HIV, Indigenous people, homosexuals, Jews, Northeasterners, Evangelicals, and the disabled.“Are Lins’ jokes prejudiced? So what? Freedom of expression doesn’t exist to protect popular or elegant speech that needs no protection, but rather what offends, challenges conventions, irritates, and even hurts sensibilities,” argued Estadão in its editorial.Brazil’s judiciary is running a serious risk: becoming a censorship body. During the Military Dictatorship, censorship was used to silence dissidents and regime opponents.In the 1990s, São Paulo prosecutors considered the newspaper Notícias Populares unfit to be sold at newsstands. NP, as it was called, had sensationalist headlines and published photos of corpses on its front page. The prosecutors argued that the newspaper should only be sold if wrapped in plastic, which would have made publication unviable—since NP relied on newsstand sales and needed to catch readers’ attention.

Last May, appellate judge Íris Helena Medeiros Nogueira ordered the newspaper Zero Hora and journalist Rosane de Oliveira to pay 600,000 reais in moral damages. The journalist’s crime? Reporting that the judge had received 662,000 reais in a given month—a true story, backed by data from the Transparency Portal.In another case of judicial silencing, journalist and writer João Paulo Cuenca faced 140 lawsuits filed by pastors of the Universal Church across Brazil’s vast territory.Cuenca’s crime? Reporting that the Brazilian government (then under President Jair Bolsonaro) would subsidize evangelical TV channels and radio stations—even if they owed money to the state.Fortunately, there was pushback—from the judiciary itself. Earlier this year, the Federal Public Prosecutor’s Office sued the Universal Church for “judicial harassment.”What crime did Leo Lins commit? None. He told jokes. Don’t like his jokes? Find them tasteless, vile? It’s simple: don’t attend his shows; don’t watch his videos.

As Estadão eloquently argued in its editorial: “Brazil must resist this regressive, repressive impulse. Bad jokes should be criticized, not criminalized. Hateful speech should be discredited, not crushed with prison. Laughter—even cruel, biting, disturbing laughter—is an essential pressure valve in free societies. Removing it from public life is suffocating freedom.”I hope a higher court overturns the substitute judge’s ruling. If the case reaches the Supreme Court (STF), it will fall to the justices—guardians of the Constitution—to uphold the law as stated in Article 5, Paragraph 9. No more censorship. Ever.Read the full ruling by Judge Barbara de Lima Iseppi:

https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2025/06/sentenca-Leo-Lins-discriminacao-show-stand-up.pdf




Humorista Leo Lins é censurado pela Justiça Federal

  Leonardo de Lima Borges Lins, o humorista condenado O início é óbvio: Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 5º, que trata...