sábado, 10 de agosto de 2024

A insuportável burrice dos robôs de atendimento

 


No antigo Egito, era fundamental investir no post mortem. As famílias gastavam uma grana na construção de pirâmides, sarcófagos, túmulos... Era necessário. Quando a alma retornasse de seu passeio etéreo, retornava ao corpo e, se o corpo do infeliz falecido não estivesse devidamente embalsamado e dentro de um túmulo adequado, a alma ficaria perdida no espaço pela eternidade. Por isso, os pedreiros que construíam os túmulos eram sempre requisitados. Só que muitos não apareciam no horário combinado. Outros enchiam a cara e caíam embriagados dentro dos sarcófagos. Tinha pedreiro que largava o serviço e pegava outro, mais rentável. O pedreiro era tão mal visto no antigo Egito que o pessoal rogava até praga, envolvendo a profissão: "Que o Demônio te coloque nas mãos de um pedreiro".

O meu "pedreiro" egípcio são esses robôs de atendimento. Toda prestadora de serviço agora optou por abolir os seres vivos e enfiar goela abaixo do consumidor esses atendentes burrinhos e mal-educados. 

Acabou a luz aqui em casa e a CPFL me mandou a seguinte mensagem robotizada:

"Oi, aqui é da CPFL! Tô te mandando mensagem porque você abriu uma solicitação com a gente sobre falta de energia. Então, só pra confirmar, a sua energia já voltou?"  

"Tô te mandando"? Sério. É uma afinidade linguística que não desejo. Então, minha cara robô burrinha, se você está usando a segunda pessoa do plural use-a até o final. E "tô" é o caramba. A conjugação correta é "estou". 

"Estou lhe mandando..."

Mais embaixo, a robô grudenta escreve:

"Brigada pela confirmação! Tchau".

Sem energia em casa, um mau humor generalizado, e a robô vem com "brigada" para cima da gente. 

"Brigada".

O correto é "obrigada", robô nó cega. "Obrigada!"

Em breve, essa robô nojenta vai estar falando: "Magina", querendo dizer, na realidade, "imagine". 

Até a CPFL descobrir que estávamos sem luz, demorou. Foram momentos de agonia e suplício. Você liga para o 0800 da companhia de fornecimento de energia e ouve-se um estalo na linha. Uma mini explosão controlada. Aparece na tela do seu celular várias possibilidades de atendimento.

Uma delas é a que você está precisando naquele momento: Falta de energia.

Você clica e o algoritmo não quer lhe atender imediatamente. Ele acha que como você é um humano desprezível e tem tempo de sobra para perder na vida. Entra em ação um controle de acesso extremamente irritante.

"Clique onde estão as escadas". Você clica. Aparecem hidrantes. "Clique onde está o hidrante". Você clica. Não termina. Aparecem motos, caminhões, ônibus, bicicletas e retornam os hidrantes, as escadas, as faixas de pedestres. É um labirinto cibernético enlouquecedor.

Finalmente, aparecem os espaços para você colocar seus dados. Você coloca e o robô diz que não reconhece sua identidade. Tanto sacrifício, tanta escada, tanto ônibus, para nada. O robô não sabe quem você é, embora a conta tenha sido paga direitinho na data estimada. 

Os robôs não se convencem facilmente que você é você. Eles mandam mensagens para seu e-mail, seu celular. Pedem confirmação atrás de confirmação. E ai de você, se trocou o endereço de e-mail. Perde completamente o acesso ao aplicativo, que deseja ter acesso. Ensinaram para o robô que o endereço do e-mail era aquele. Fim. Você não tem como explicar que trocou de provedor. É a morte, meu caro. Esqueça. Os robôs e Clint Eastwood são imperdoáveis.

Não são apenas os robôs que são burrinhos. Quando a gente tem de lidar com pessoas, o resultado pode também ser muito insatisfatório. Outro dia, precisei falar com o Departamento Comercial de uma das principais redes de TV do País. Ligava para o telefone da empresa e pedia para a telefonista transferir para o Departamento Comercial. Caía em classificados, caía em telefones que ninguém atendia, caía em telefones que se cansavam e desligavam depois de muita insistência. De volta à telefonista, eu pedia, de forma humilde e respeitosa: "A senhora poderia me passar o ramal correto do Departamento, para não voltar a todo momento para a senhora?".

"De jeito nenhum", ela respondia. "O único telefone é este. Somos nós que transferimos para o ramal desejado".

"Tudo bem, senhora. O problema é que até agora, depois de uma hora de tentativa, não consegui ser atendido."

"Paciência", ela disse.




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