domingo, 2 de junho de 2024

Nem toda "editora" merece ser chamada de editora

 

Livraria Lello - dizem que é uma das mais belas do mundo

Você está navegando sem compromisso pela rede social e topa com um anúncio que lhe interessa: "Editora procura novos autores". Você entra em contato. A "editora" responde e você percebe que não se trata, na realidade, de uma editora convencional. Na prática, eles publicam a sua obra, desde que você (o autor desavisado) pague. 

Aconteceu comigo. Quando percebi que se tratava de publicação paga, tirei o time de campo.

Semana passada, tive um debate acalorado, por e-mail, com uma representante de uma suposta editora (não vou divulgar o nome para dar publicidade a quem não merece). 

Essa representante da "editora" me perguntou se deveria aguardar ou se podia excluir a minha submissão (eu havia encaminhado um manuscrito).

Respondi o seguinte:

"Na realidade, (...) não é uma editora, mas se trata de uma gráfica. Seria melhor e evitaria aborrecimentos, se a empresa deixasse isso claro em suas manifestações de marketing."

A pessoa, que fala em nome da "editora", respondeu que sabia quem era e explicou que "gráficas somente imprimem. Editoras editoram, editam, de fato, trazem diagramação, capas, registros, publicações ainda que não impressas. Não compreendi seu comentário, muito menos sua dúvida, mas fico aqui para saná-la".

Argumentei que "sei o que é uma editora e sei também o que é uma gráfica. As editoras que publicaram meus livros não cobraram pela edição. Foram produzidas capas, foi feita a revisão e o produto lançado no mercado. Quando os livros são vendidos, recebo pontualmente a porcentagem que cabe ao autor. É assim que funciona uma editora".

O meu argumento não serviu para esclarecer a pessoa. Ao contrário, parece tê-la ofendido. Ela respondeu:

"Está dizendo para uma editora como uma editora funciona? Para uma editora que atua em 23 países e há quase 10 anos? Por favor, e com todo o respeito, ponha-se em seu lugar. Se as editoras que o senhor já trabalhou funcionam assim, agradeça aos impostos pagos; são editoras financiadas por órgãos públicos (em raros casos, particulares). Tenha certeza que não deixaram de te cobrar, porque são legais ou bondosos, basta raciocinar. Somos sim uma editora (a palavra editora em vermelho sangue no e-mail original), não temos financiamento algum (mas trabalhamos junto a autores financiados) e fazemos um excelente trabalho!". 

Ela ainda pediu para eu não "espalhar informações falsas mundo afora", porque o meu pensamento era limitado. "Conte conosco", encerrava o e-mail.

Minha resposta foi breve:

"Uma editora NÃO cobra o autor pela impressão de sua obra. Uma gráfica COBRA. Simples assim."

 Toquei em algum nervo descoberto, porque o e-mail seguinte veio espumando de puro ódio:

"Jornalistas não devem fazer pesquisas? O jargão 'vergonha da profissão' nunca foi mais bem usado do que aqui. Pode ser que um belo dia, você não dê de cara com alguém tão bem humorado como eu (no original "bem humorado" no masculino, embora o e-mail da representante da editora estivesse usando um nome feminino) Suas falsas acusações e insistências - que se originam em sua falta de noção, educação e vergonha - podem te levar a um processo, cuidado. Expliquei, porque não espero que saiba de direito, tendo em vista..." Terminava assim mesmo, meio no ar.

Não sei por que insisti em buscar esclarecê-la. Escrevi o seguinte:

"Desculpe, mas você está sendo muito agressiva comigo. Em nenhum momento, lhe desrespeitei. Estou tentando lhe explicar que existe uma diferença entre uma editora que seleciona manuscritos e os publica; e uma gráfica que cobra para fazer a impressão. Quando a sua 'editora' fizer publicidade e pedir que lhe sejam enviados manuscritos, deve deixar claro que se trata de publicação paga. Isso evitaria embaraços como este que estamos passando. Em relação ao processo, que você está me ameaçando, é via de mão dupla".

A suposta "moça" da "editora" resolveu bater pesado:

"Teve culhões para alegar por 3x que não somos uma editora, pois tenha culhões para ser respondido. Te dei as informações necessárias já no dia de ontem, o senhor tem o Google a sua disposição e INSISTIU em nos desrespeitar. Mais uma vez: empresas privadas cobram o valor que desejam para fazer QUALQUER serviço.
Isso NÃO desconfigura o CNAE da empresa. Não somos uma ONG!!! EDITORAS EDITAM - GRÁFICAS IMPRIMEM.
Ainda está difícil de compreender, me parece...Isso não é uma questão de opinião. Fatos são fatos. E fatos são comprovados na justiça, como bem informei. Apenas, PARE. E não me retorne mais, pois o senhor desconhece o que é limite e respeito, o que é uma pesquisa, o que é bom senso, o que é uma editora, uma gráfica, uma ONG, e segue..."

O tal do CNAE mencionado significa Classificação Nacional de Atividade Econômica. Como o nível estava beirando a sarjeta, decidi não retomar a discussão. 

Fiz uma busca no Reclame Aqui e em outros locais e verifiquei que essa "editora", em questão, é taxada de "falta de profissionalismo". Outros autores reclamam do assédio, do excesso de e-mails enviados a eles, mesmo não desejando receber comunicados da "editora". 

Uma associação internacional chama atenção para "editoras predatórias", "com práticas suspeitas e de qualidade editorial duvidosa, mas que garantem, sempre mediante o pagamento de taxas, a publicação rápida do trabalho, normalmente sem qualquer revisão por pareceristas". E, em especial, a associação qualifica a "editora", com a qual tive o desprazer de um "debate", como "predatória".

Como sou só um autor, "sem grana, sem parentes importantes" e vim para o interior, acredito que caberia à Câmara Brasileira do Livro, que representa editores, livreiros e profissionais do setor, selecionar o que são editoras de fato e essas supostas "editoras", que utilizam o nome de editora, mas que na prática são apenas gráficas que imprimem o material pago pelo autor. 

As gráficas hoje têm excelência em sua atuação. Inúmeras gráficas fazem diagramação, escolhem capas e realizam até a revisão de trabalhos manuscritos. Não há ofensa alguma em chamar uma empresa, que imprime livros, de "gráfica". Mas uma gráfica é diferente de uma editora. São papéis diversos que elas interpretam.

Como disse em minha arguição à representante da suposta "editora", as editoras de fato são extremamente profissionais. O manuscrito é selecionado. Os editores solicitam uma ou outra alteração. O original é revisado. Em seguida, as capas são produzidas e encaminhadas para a aprovação do autor (ou para conhecimento dele). Publicados os livros, à medida que as vendas são realizadas, o autor recebe o equivalente a dez por cento do preço da publicação. É assim que funciona uma editora.

Espero que a Câmara Brasileira do Livro, com tantos e importantes serviços em prol de autores, separe o joio do trigo (para usar uma expressão nova), normatizando o mercado. Não dá mais para os autores encaminharem seus manuscritos (às vezes, o que representa um trabalho de anos) para "editoras" que, na realidade, atuam como gráficas.

  




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