segunda-feira, 25 de março de 2019

É fogo na favela


A última favela a pegar fogo em São Paulo ficava no bairro da Mooca. Os barracos situavam-se na beira do asfalto. Estendiam-se horizontalmente pela rua Pires do Rio até o viaduto Bresser. Um homem morreu e um suspeito de atear o fogo foi preso. 

Pessoas que passavam pelo local comemoraram o incêndio. Buzinavam os carros. Ouviam-se gritos de felicidade. A favela estava em chamas. Finalmente, alguém tinha dado um jeito naquilo. 

Não é fácil você trafegar todo dia pela Radial Leste e dar de cara com aquela monstruosidade urbana. Barracos horrorosos grudados uns aos outros. Gente pobre e miserável se arrastando por ali. Dá uma sensação ruim. Parece que a cidade falhou, que nós, cidadãos, falhamos também em algum momento. 

Por isso, o incêndio foi libertador. Nos livramos daquele entulho urbanístico. Expulsamos, indiretamente, aquele monte de "vagabundos", como gritou alguém que passava de carro pelo local na hora do fogaréu.

Foi um fogo bom. Libertador! Parente, talvez, daquele mesmo fogo que reduziu a cinzas Sodoma e Gomorra, cidades onde, de acordo com a tradição bíblica, "habitava o pecado".

Será que sempre fomos assim? Cínicos? Será que em outros tempos, em outros anos, quem sabe nos anos 50 pré-industrialização, pré-internet, as pessoas que estivessem passando pelo local não teriam parado seus carros e corrido em direção às chamas para tentar ajudar os favelados? 

Onde foi parar a fraternidade, a cortesia, o amor ao próximo? Que gente é essa que comemora morte e destruição? Que raça de desgraçados infelizes estamos produzindo nesse país? Onde esses imbecis estudaram? Quem são seus pais, seus avós? Que herança abjeta é essa? Que DNA podre é esse que produz gente tão insensível e cruel?

A melhor pista para entender a fábrica que vomita esse tipo de gente vem de cima. O governo (em todas as suas esferas) trata mal as pessoas. Não há carinho. Não há empatia. As forças políticas são conservadoras e alinham-se para preservar privilégios. O Brasil é campeão em desigualdade social. O número de pobres cresce. Os salários são ridículos e ninguém parece se importar muito com isso. 

Um dos moradores da favela que pegou fogo disse que ganha R$ 800,00 por mês, como estivador. Ele carrega sacos de cimento para a fábrica que fica ali perto. Por isso, a favela destruída também era chamada de "favela do cimento". 

Como um industrial consegue pagar R$ 800,00 para um trabalhador e dormir bem à noite? O que uma pessoa consegue fazer com R$ 800,00 por mês? Como se vestir, pagar aluguel, comprar comida com essa miséria de salário? 

Para aqueles céticos que dizem que "não tem jeito", que "nada muda", a humanidade coleciona casos de países bem-sucedidos, cujos governos tratam seus cidadãos com muito mais carinho do que as autoridades encasteladas em Brasília, onde mora o verdadeiro Darth Vader.

Tem um país que, desde 1930, quando nasce uma criança, os pais recebem de presente uma bela caixa de papelão, recheada de roupinhas, fraldas, brinquedos, artigos de higiene e livros infantis. 

A caixa é tão boa e resistente que pode ser usada como berço. Nesse mesmo país, a mãe (ou o pai) pode ficar em casa, cuidando do recém-nascido por três anos. Três anos! E o governo paga um salário decente para o pai ou a mãe que for cuidar da criança. 

É um país com índice baixíssimo de corrupção, com empresários empreendedores e inovadores. Várias avaliações o consideram "o melhor do mundo em educação" e um dos países em que "as pessoas são mais felizes". 

Como a caríssima leitora deve ter adivinhado, estou falando da Finlândia, país com pouco mais de 5 milhões de habitantes. 

Sabe qual foi a receita para a Finlândia sair da miséria e encabeçar os rankings de melhores em tudo? 

- Igualdade e investimento pesado em educação. 

Enquanto isso, aqui no Brasil, os muito ricos são prisioneiros de condomínios superprotegidos e prédios envidraçados, fazendo o possível para manter a desigualdade social, enquanto contam as horas e os minutos para o avião decolar com destino a Miami. 

"É fogo na favela. Pena que não seja em todas as favelas. Pena que o fogo não aniquile todos os pobres e miseráveis", devia estar pensando aquele tipo cordial, discípulo de Lord Vader, que comemorou a destruição dos casebres dos "vagabundos".  
     

  


segunda-feira, 18 de março de 2019

Prefeituras preguiçosas, concessionárias incompetentes, reestatização e salve-se quem puder

Não sei onde é, mas a minha rua é igual 


Você sabe que está no Brasil ao trafegar pelas ruas de suas cidades. Sobram buracos, espalham-se armadilhas invisíveis, imperam o descaso, a omissão, a ausência do poder público. 

Fico pensando o trabalho que deve dar ser eleito prefeito de algum burgo... 

Precisa fazer campanha, correr atrás de eleitores, pegar criancinha chata no colo, comer coxinha de boteco. Não é para qualquer um. O sujeito tem que ter muita disposição e foco. 

Na primeira semana, eu já desistia. Os eleitos vão em frente. Conseguem os votos necessários. Sentam naquela cadeira, onde está escrito "prefeito" e...

O que será que eles ficam fazendo o dia inteiro?  

No meu dia a dia, sou obrigado a trafegar por ruas e avenidas da região metropolitana de São Paulo, inclusive dentro da própria capital. E todos os dias me pergunto o que esses prefeitos preguiçosos ficam fazendo que não conseguem o mínimo, que é fazer a manutenção das ruas. Se fizessem só isso, já seria uma realização notável.

Não queira estar no meu lugar, caríssima leitora, nem pense em circular de carro por cidades como São Paulo, Carapicuíba, Cotia, São Bernardo, Santo André, Osasco, Diadema. É deprimente topar com tanta irresponsabilidade do poder público. 

Caro prefeito, será tão difícil assim asfaltar uma rua? Tapar buraco? Refazer o asfaltamento? Manter as ruas sinalizadas, iluminadas, adequadas do ponto de vista da cidadania?

São anos e anos convivendo com essa tragédia. Sim, é também uma tragédia você pagar seu IPTU, seu IPVA, e não receber a retribuição mais elementar que é a garantia de trafegar com segurança e tranquilidade. 

Todos os dias caio em buracos. Buracos grandes, imensos, pequenos, médios, de grave e baixa intensidade. Buracos, buracos e buracos... Não é só na época de chuva, não senhora. Os buracos estão ali nas quatro estações do ano. 

Em Sorocaba (SP), moradores têm sinalizado os buracos da cidade com a foto do prefeito José Crespo (DEM), em plaquinhas (ver abaixo).


Em Sorocaba, moradores colocam fotos do prefeito nos buracos

Não adianta falar em privatizar a prefeitura, porque estamos até aqui desses serviços públicos privatizados, que prestam um lamentável serviço à população. 

A Enel (a nova Eletropaulo) é incapaz de manter por uma semana inteira - de domingo a domingo - a luz. Quase todo dia, acontece uma falha, uma queda súbita no fornecimento de energia. 

A CPFL, no interior, é uma bagunça. Você paga a conta e eles mandam avisar que a conta não foi paga. Envia o comprovante e eles não respondem. 

De onde veio tanta gente incompetente assim? 

Veio da privatização, da entrega dos serviços públicos a gente incapaz de fazer o que se espera deles. Na Europa, já se aplica a reestatização, por motivos óbvios: a empresa privada presta um serviço imprestável. 

Trafego também pelo Rodoanel Mario Covas, caríssima leitora. Para ter direito a isso, sou obrigado a pagar pedágio. Na ida e na volta, gasto 11 reais e oitenta centavos para dirigir em ritmo de rally, desviando da buracada. É buraco na ida e buraco na volta. 

As concessionárias (CCR e SPMar), que administram a buraqueira,  não são incomodadas. Os fiscais da Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo) estariam dormindo? Basta dar uma volta pelo Rodoanel e constatar a buraqueira, a ausência de serviços elementares de manutenção. 

Vamos enviar despertadores, daqueles antigos que faziam um barulho desgraçado, para acordar a fiscalização da Artesp.  


Acorda, Artesp!!!


Ontem, naquela chuva implacável, achei que o pneu tinha furado. Parei o carro no acostamento e - surpresa - fiquei ensopado até os ossos e os pneus estavam nos conformes. O falso barulho de pneu furado era mesmo o piso defeituoso do Rodoanel. 

Se fosse colocar fotos do governador João Doria (PSDB) em todos os buracos do Rodoanel, acho que ficaria mais barato asfaltar os 172 quilômetros da rodovia. Haja foto do Doria para tanto buraco. 

A rua onde moro na Granja Viana é de terra. Gosto que a rua seja de terra. Durante o verão, não transmite calor como o asfalto. Gosto desse jeito rústico de morar. Só não acho legal a prefeitura não fazer a manutenção das ruas. Quando a situação torna-se limite, com buracos, lama, deixando as vias intransitáveis, é preciso implorar para as "autoridades competentes":

"Por favor, passem uma máquina na nossa rua, que aliás nem é mais rua, é só buraco".  

Como se a gente morasse de graça... 

Aliás, como estamos no mês de março e o carnê do IPTU não veio, acho que a prefeitura entregou os pontos. "Vamos parar de fingir, pessoal. Não temos capacidade de arrumar e iluminar as ruas. Por isso, não vamos mais cobrar IPTU. Fica por conta de vocês agora. Boa sorte".

E salve-se quem puder.  

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